A fantástica reprodução das Corydoras

 

Autor: Alexandre Avari

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Quase todo aquarista mantém ou já manteve peixes do gênero Corydoras em seus aquários, assim como seus primos próximos, dos gêneros Brochis, Scleromystax e Aspidoras. Esses peixes há pouco tempo ganharam o status de peixes ornamentais, pois há bem pouco tempo atrás eram apenas coadjuvantes em nossos aquários, assim como cascudos.

O que pouca gente sabe é que esses pequenos e graciosos peixes escondem segredos em sua reprodução que não só são fascinantes, mas tem sido estudado por pesquisadores de todo o mundo. Seu método único abre inúmeras possibilidades para o desenvolvimento de diversos medicamentos para o tratamento de doenças gastro-intestinais, colas cirúrgicas que substituirão os pontos feitos com linha de nylon, dentro outros.

Quando olhar suas Corydoras da próxima vez, lembre-se de apreciar um animal que tem grande importância para o futuro da humanidade, além, claro, de serem sempre bem simpáticas!

AS PRIMEIRAS SUSPEITAS

Os peixes da família dos Calictídeos, na qual temos as Corydoras, Hoplosternum e Dianemas (cascarudos) e Callichthys (tamboatás) possuem meios de reprodução notáveis. Alguns fazem ninhos de bolhas, outros, como Callichthys, enterram seus ovos na lama à maneira dos killifishes, afinal, habitam as mesmas poças sazonais destes magníficos peixes.

Em 1925 foi descoberto na Argentina na cidade de Sunchal, província de Juyuy, um fóssil de uma espécie  de Corydora, pertencente ao gênero Corydoras, que datava de cerca de 65 milhões de anos, mais ou menos quando os dinossauros foram extintos. Seu descobridor, o famoso entomologista estadunidense, Dr. T.D.A.Cockerell, professor da Universidade do Colorado, e a classificou como Corydoras revelatus.

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Esta estranha espécie de possuía um gonopódio, um órgão para cópula interna construída através de alterações na nadadeira anal, similar ao que hoje podemos observar nos poecilídeos, como lebistes, espadas e platis. Nenhum outro representante atual da família possui tal estrutura, deve tê-lo perdido durante sua evolução, o que só acontece se no decorrer da evolução, mutações sucessivas chegam a uma solução mais eficiente que a anterior.

O primeiro registro de reprodução de Corydora em cativeiro aconteceu no aquário de M. Carbonnier  na França em 1878, com a espécie C. paleatus. Ele relatou sua experiência dois anos depois descrevendo que o macho depositaria seu esperma nas nadadeiras ventrais da fêmea, e os ovos sairiam da genitália de fêmea diretamente para a massa de esperma, onde ficavam grudados por alguns instantes, antes de serem depositados em algum lugar previamente escolhidos.

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Mas ao longo dos anos, não se observou, apesar de inúmeras experiências bem sucedidas na reprodução destes peixes, a participação efetiva do macho, ao contrário, observou-se a fêmea estranhamente perpendicular à cloaca do macho instante antes da desova, posição que ficou conhecida como “Posição T”, então ela saía de perto para desovar, sozinha, geralmente bem afastada dos demais peixes.

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Em 1955 o aquarista alemão J. Knaack conduziu interessantes experimentos com Corydoras paleatus. Ele utilizou um corante líquido colocado com uma pipeta fina na boca de fêmeas notoriamente cheias de óvulos, seguindo a Posição T com os machos disponíveis no tanque.

Ele descreveu que o macho soltava uma massa translúcida pela cloaca que era prontamente ingerida pela fêmea, que em seguida, saia para depositar os ovos. Quando esses ovos saíram, eles estavam pigmentados pela mesma substância que as fêmeas haviam ingerido pouco antes, sugerindo que o esperma e o pigmento seguiram o mesmo caminho, ou seja, o sistema digestivo!

Resultados semelhantes foram descritos pelo aquarista americano Albert Klee alguns anos depois.

Esses experimentos caíram como uma bomba nas comunidades científicas da época, era inconcebível que tal abominação fosse possível, imaginem os conceitos da época se deparando com uma espécie que bebe esperma para reproduzir!

NOVOS ESTUDOS

A teoria foi ridicularizada e houve até fraudes, pessoas que diziam ter encontrado canais específicos para a condução de esperma, baseando seus estudos em um ou dois exemplares dissecados.

A dúvida pairou até 1995, quando foi publicado no boletim Environmental Biology of Fishes o artigo “Sperm Drinking by Females Catfishes: A Novel Mode of Insemination”, pelos biólogos M. Khoda, M. Tanimura, M. Kikue-Nakamura e S Yamagishi, onde descrevem experimentos similares aos de J. Knaack e Albert Klee apresentam exemplares dissecados e outros estudos a respeito.

Ainda assim, esses estudos são bastante criticados e há muitos questionamentos. Mas alguns laboratórios já vêm estudando a composição do esperma das Corydoras para o desenvolvimento de novos medicamentos, certos que o processo deve ser realmente este, de forma a fazer com que os delicados gametas passem ilesas pelo sistema digestivo das fêmeas.

Pelo sim, pelo não, vale a pena investigar mais.

QUAIS SERIAM AS EXPLICAÇÕES?

Imagine um peixe pequeno com poucas defesas e muito abundante nos rios sul-americanos, à mercê de peixes maiores que podem comer até mesmo pequenas tartarugas, apesar de seus cascos, garras e mordidas. É quase um milagre que as simpáticas Corydoras prosperem em nossos inóspitos rios.

Além da couraça dura e do diminuto tamanho, que desencoraja os peixes menores ao trabalho e passa  desapercebido à boa parte dos maiores, as Corydoras conseguem, através de seu curioso sistema de reprodução, uma taxa de eclosão de seus ovos bastante grande!

O esperma é depositado em pouca quantidade pelo macho, pensem que a produção de gametas viáveis é bastante desgastante para os peixes, não se dão ao luxo de produzi-las à torto e direito, mesmo espécimes em plena época de reprodução podem reabsorver suas gametas se considerarem que as chances de sucesso da ninhada serão mínimas.

O esperma absorvido pela fêmea permite que seu uso seja mais racional, então com uma quantidade bem menor do que a dispensada por peixes de fertilização externa normal, o macho consegue manter grandes reservas de nutrientes e até mesmo reproduzir mais de uma vez durante a estação.

As fêmeas soltam óvulos e esperma pelo mesmo orifício, a cloaca. Mesmo sendo por canais diferentes, a já aumentando as chances de fertilização. O acondicionamento dos ovos na nadadeira pélvica antes de serem depositados nos locais de desova previamente escolhidos pela fêmea, assegura ainda mais contato com o esperma.

Tão logo as fêmeas aprendam como desovar, terão muitos descendentes assegurados. Como acontece com muitos peixes, essa técnica basicamente instintiva pode ser aprimorada e muito com a prática.

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Além disso, o corpo da maioria das espécies de Corydoras é pouco móvel, o que torna a fertilização dos ovos pelo macho logo após a postura da fêmea complicada. Os óvulos são muito delicados logo que são expelidos e poderiam ser quebrados com algum deslize do macho, uma vez fecundados endurecem bastante e ficam bem resistentes.

Essa característica parece ter alguma influência fundamental nesse nada usual meio de fertilização, pois espécies maiores e de corpo mais alongado ou macio aparentemente não o fazem. Corydoras barbatus (espécie grande e alongado) e Corydoras hastatus (espécie pequena, das únicas do gênero que nadam à meia água com grande frequência, em grandes cardumes) provavelmente fecundam seus ovos da maneira tradicional.

O que leva muitos pesquisadores a crerem que beber o esperma do macho não seja regra em toda desova, mesmo de espécies que o fazem notoriamente, como Corydoras aeneus, Corydoras paleatus, Corydoras similis, Corydoras panda, Corydoras jully, entre outras.

ALGUMAS OBSERVAÇÕES

Muitos aquaristas, eu inclusive, observam suas Corydoras em Posição T sem que haja desovas. De minha parte, possuo um trio de Corydoras megapterus composto por dois machos e uma fêmea e ela se reveza entre ambos machos, mesmo durante o nado, mas geralmente quando apoiados em uma grande pedra achata, à sombra das Microsorum.

Este comportamento aumenta significativamente após trocas parciais, mas não observei nenhum tipo de liberação de substâncias por parte do macho ainda e não constatei nenhuma desova, que particularmente em meu aquário, seria meio complicado pela grande quantidade de plantas altas.

Outros aquaristas que conheço já tiveram desovas de Corydoras em seus aquários, porém não é o tipo de peixe que procuramos reproduzir. O Brasil dispõe de muitos peixes em quantidade tal que o nosso mercado não se preocupa diretamente em reproduzir peixes nacionais, por isso, quando ocorre, geralmente é acidental.

Porém recentemente tem-se reproduzido exemplares albinos de Corydoras aeneus, e as fêmeas desta espécie são notórias bebedoras de esperma. Alguns criadores com os quais pude conversar relataram o casal em posição T por diversas vezes antes das desovas, mas não observaram a ponto de perceber se realmente há a liberação de esperma do macho quando assumem esta posição.

RELATOS ESTRANGEIROS

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Como acontecem com muitas espécies, os estudos a cerca dos hábitos mais peculiares de nossos peixes são realizados por pesquisadores e aquaristas estrangeiros. Aliás, é no mínimo embaraçoso enquanto cidadão brasileiro pensar que nosso país, lar de uma quantidade imensa de espécies destes peixes, pensando nos potencias não só ecológicos de tais estudos, mas mesmo médicos e, por que não dizer financeiros, constatar que não têm nenhum trabalho publicado ou estudo em andamento a respeito. Corrijam-me se estiver equivocado.

Mas nos Estados Unidos e na Europa, existe a preocupação não só em manter um estoque permanente de peixes à disposição para atender o mercado aquarístico, mas em produzir espécimes um pouco melhor adaptados às condições de cativeiro, o que acontece com exemplares nascidos em cativeiro, então muitas espécies são reproduzidas por lá com grande sucesso. A grande maioria das referências vem de criadores destes países.

REPRODUZINDO EM CASA

A reprodução caseira de Corydoras e afins são feita em pequenos aquários a partir de 50 litros com algumas tocas e ambiente sombreado. Os peixes são colocados em pequenos grupos de 6 a 10 espécimes. Essa quantidade é necessária, pois dificilmente se reconhece o sexo desses peixes, salvo raras exceções. Via de regra as fêmeas possuem formato mais arredondado, sobretudo nas pontas das nadadeiras ímpares, o ventre é mais avolumado, chegando a criar uma dobra logo após o opérculo, vista de cima, a fêmea é bem mais larga que os machos, esguios, algumas espécies apresentam nadadeiras ímpares pontiagudas, chegam a formar uma espécie de gancho, algumas espécies apresentam espinhos no rosto e nadadeiras, como C. barbatus, em outras, o macho apresenta nadadeiras ímpares muito maiores que as fêmeas, como C. megapterus, a cloaca dos machos é bem menor que a das fêmeas, mesmo fora da época de reprodução.

Mesmo com todas essas diferenças, é necessária uma quantidade de peixes para que se possa compará-los, e as fêmeas tendem a abordar diversos machos, até que achem um que lhes pareça conveniente para, enfim, desovarem.

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Troca de água e aumento de temperatura, assim como alimento vivo, parece incentivar a desova, mas realmente só o fazem quando lhes parecer conveniente.

A desova, também, seja feita solitária pela fêmea, seja com a fecundação do macho, não tem lugar certo para acontecer, pode ser no vidro, nas folhas de plantas, no chão, em tocas, troncos e pedras… Depende do critério da fêmea. A quantidade de ovos varia de 20 a 100, dependendo da espécie.

Os pais não dispensam nenhum cuidado com os ovos, que possuem casca bastante resistente, não tente mexer neles, pode quebrá-los. A massa de ovos é “soldada” com secreções que se solidificam em contato com a água.

MANTENDO OS FILHOTES

A cria nasce em 3 a 5 dias e são vítimas potenciais dos próprios pais, por isso é recomendável retirar os pais. Depois de 2 a 4 dias as larvas começam a nadar livremente, e aí começam os problemas!

Recomenda-se também abaixar o nível da água para menos de 10 cm, pois as larvas irão tentar respirar ar atmosférico após algum tempo, já que Corydoras e afins possuem um sistema acessório de respiração de ar atmosférico, absorvendo o oxigênio através das paredes intestinais.

(Ver que o sistema digestivo desses peixes é muito mais que digestivo!)

As diminutas larvas de Corydoras são detritívoras, precisam de alimento bastante pequeno, como infusórios. Uma boa estratégia é utilizar filtros de espuma no aquário, pois os infusórios se concentrarão, pela filtragem, na espuma, onde podem ser comidos pelos filhotes. É importante que vazão do filtro seja bem suave, pois ele pode acabar capturando as próprias larvas.

Se propriamente alimentadas, em dois meses os filhotes crescem consideravelmente e já podem até ir para o aquário principal, apesar da mortalidade, que costuma ser baixa. Das desovas, tem-se cerca de 10% de perda em média, percentual bastante razoável!

REFERÊNCIAS E AGRADECIMENTOS:

www.scotcat.com
www.planetcatfish.com
www.corydorasworld.com
www.practicalfishkeeping.co.uk
www.akvaryumhobisi.com
www.petfish.net
www.aquariomania.com.br
UNICAMP
Revista Tropical Fish Hobbist, diversas edições
Southland Aquatics Inc.
Augusto Gadelha
Eiko Bleher
David Alexandre
Gleidson Magno
Lee Finley
Luciano Navarro

Sobre Edson Rechi 848 Artigos
Aquarista em duas fases distintas, a primeira quando criança e tentava manter peixes ornamentais sem muito sucesso. Após um longo período sem aquários, voltou no aquarismo em 2004, desde então já manteve diversos tipos de aquários como plantado, peixes jumbo, ciclídeos africanos, água salobra, amazônico comunitário e marinho. Atualmente curte e mantém peixes primitivos e ciclídeos neotropicais, suas grandes paixões.

5 Comentário

  1. Você conhece um parasita que atinge os Corydoras e forma uma espécie de verruga branca, geralmente na face ventral? Existe um tratamento?

     

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