Cientistas identificam nova espécie de peixe amazônico nas águas de igarapé de Manaus

É o Tarumania walkerae, um “mini-pirarucu” que demorou 20 anos para ser descoberto no Tarumã-Mirim e que já “nasce” ameaçado

 

As misteriosas águas amazônicas escondem e sempre nos revelam surpresas magníficas. A mais recente é o anúncio de uma nova espécie de peixe que demorou 20 anos para ser finalmente identificada. Trata-se do Tarumania walkerae, que foi encontrado pela primeira vez nas águas do Tarumã-Mirim pela pesquisadora Ilse Walker, hoje aposentada e que foi homenageada com o nome da espécie.

Foto: Márcio Silva (divulgação)

A descoberta se torna ainda mais importante por conta do peixe ter, como um dos habitats, justamente uma área que precisa cada vez mais de proteção em face da degradação pela ocupação desordenada na cidade.

O estudo foi publicado recentemente no Zoological Journal of the Society. A pesquisa foi realizada pelos ictiólogos Lucia Rapp Py-Daniel e Jansen Zuanon; pelo pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Mario de Pinna; e pelo pesquisador da Organização Internacional de Conservação Ambiental The Nature Conservancy (EUA), Paulo Petry (ex-pesquisador do Inpa).

O nome do gênero é uma referência ao igarapé Tarumã-mirim, onde a maioria desses peixes foi coletada. O nome específico é uma homenagem à doutora Ilse Walker, por sua descoberta feita por acaso, em 1999. E a família, como se chama? Pelas regras de nomenclatura, o nome da família é sempre baseado no nome de um dos gêneros que a compõem. Neste caso, como o único gênero em questão é Tarumania, a família foi batizada de Tarumanidae.

Características

A pesquisa revela que este peixe exibe um conjunto extraordinário de características únicas, que o separa de todos os outros peixes ósseos conhecidos. É um peixe de corpo alongado e coloração escura (marrom) uniforme. Ele alcança até 15 cm de comprimento e precisa de ar para viver, possuindo uma bexiga natatória com 11 câmaras (o normal na maioria dos peixes são duas câmaras), mais de 240 escamas muito pequenas no corpo e escamas reversas na cabeça.

O peixe apresenta ainda uma série de características ósseas muito distintas, como crânio parcialmente exposto, mobilidade vertical da cabeça e modificações nas nadadeiras e mandíbulas. O Tarumania apresenta caracteres pedomórficos (características larvais em exemplares juvenis), tipo presença de notocorda e nadadeiras lobulares em exemplares de até 5 cm.  “É um dos raros casos de peixe com escamas com hábitos fossoriais, se enterrando em vez de ficar na coluna d’agua”, conta Lúcia Rapp.

Apesar de tão distinto, análises mais detalhadas revelaram ainda que Tarumania faz parte da superfamília Erythrinoidea e tem como grupo evolutivo mais proximo, a família Erythrinidae (jejus e traíras).

De acordo com o pesquisador Jansen Zuanon, descrever novas espécies na Amazônia é muito comum, mas descrever uma família toda nova é bem raro. “Isso acontece uma vez a cada muitas décadas, às vezes a cada século”, conta.

Para Zuanon, o mais importante nesse caso, nem é tanto o fato de ser uma nova família, mas por ser tão diferente dos outros peixes aparentados com ele que mostra que o caminho da evolução desse grupo é muito mais amplo do que se imaginava.

Segundo o pesquisador, o peixe faz parte do grupo dos Characiformes, que é o grupo da maior parte dos peixes de escamas da Amazônia como o matrinxã, o tambaqui e o jaraqui, só que tem um formato completamente diferente desses peixes, tanto por fora quanto por dentro.

“Isso mostra que os Characiformes evoluíram de maneira brutal com uma diversidade de adaptações para o ambiente que ainda não conhecemos direito”, diz Zuanon, acrescentando que o que mais chama atenção nesse peixe é o formato do corpo por dentro (anatomia) e por fora (morfologia). “Eles são completamente aberrantes dentro desse grupo de Characiformes e por isso mesmo tivemos que descrever uma família nova para acomodar essa espécie”.

Com corpo comprido e nadadeiras transparentes, os peixes da nova espécie medem até 15 centímetros de comprimento. Eles se alimentam de pequenos invertebrados, como camarõezinhos de água doce. (foto: de Pinna e colaboradores / Zoological Journal of the Linnean Society, 2017

História

A pesquisadora Lucia Rapp explica que o primeiro registro desse peixe foi realizado no Tarumã-mirim, em 1997, pela pesquisadora Ilse Walker. “Tratava-se de um indivíduo jovem, muito pequeno e diferente, que os pesquisadores não conseguiram identificar o animal, na época”, diz. Segundo Rapp, anos depois, o cientista Jansen Zuanon conseguiu coletar, durante um trabalho de campo, em Anavilhanas, próximo ao município de Novo Airão, mais exemplares.

Isso chamou a atenção dos pesquisadores que resolveram voltar ao mesmo local onde foi realizada a primeira coleta de Walker, no Tarumã-mirim. Os pesquisadores Lucia Rapp, Jansen Zuanon e Mario de Pinna acharam o peixe em poças alagadas no meio da mata. Na ocasião foram coletados cerca de 40 animais.

O que mais chama atenção dos estudiosos é o fato de um animal como este nunca tenha sido encontrado. Segundo a pesquisadora, o Inpa tem uma Coleção de Peixes que abriga milhares de espécimes e esse animal nunca foi coletado em lugar nenhum. “Então, isso chamou a atenção para a possível diversidade crítica, escondida, que ainda existe na Amazônia, e não só tributário do rio Negro, no Tarumã-mirim”, explica a pesquisadora ao acrescentar que pode ser que tenha outras situações como essa na Amazônia e que ainda são desconhecidas.

“Depois de tantos anos de coleta aparece um bicho tão diferente e não tínhamos ideia que existia. Isso já deixou a gente de ‘orelha em pé’. O que será ainda que podemos encontrar por aí?”, conta empolgada a pesquisadora. “Esse bicho é tão espetacular, tão diferente. É um peixe fossorial que fica enterrado no solo quando seca e deve entrar no lençol freático de alguma maneira para procurar água. É muito interessante e vale a pena estudar um peixe com comportamento tão distinto”, revela.

Os próximos passos nas pesquisas com Tarumania envolverão estudos para entender as relações evolutivas deste peixe com os demais, conhecer melhor o seu comportamento e quem sabe ver se ele ocorre em outras drenagens. “Tarumania ainda pode proporcionar um grande número de novidades para os estudiosos em biologia dos peixes amazônicos”, conta Rapp.

Fonte: A Crítica – Veja o artigo original por Paulo André Nunes

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